O limite das palavras
Hoje vi uma cena no metrô que ainda não saiu da minha cabeça. O caos do horário de pico, uma porta que se fecha e o desespero de uma separação. Mas o que mais me marcou não foi o susto, foi o que veio depois. No blog hoje, uma reflexão sobre os limites das palavras quando a dor é grande demais. Sobre como o desespero de um adulto pode se transformar em marcas invisíveis em quem está ao redor. Às vezes, as palavras que não curam são as mesmas que ferem profundamente.
Mirella Rossini
12/2/20252 min read

O limite das palavras
Hoje vi uma cena que ainda não saiu da minha cabeça.
Era fim de tarde no metrô, aquele caos que a cidade cria quando todo mundo quer ir embora ao mesmo tempo. Pessoas se tornam uma massa única que se movimenta sem freio, como um estouro de boiada.
Entrei junto com a multidão. Um apito, e a porta se fechou. Com ela, um grito: por favor, abre a porta, minha filha ficou pra fora!
O trem começou a andar. Uma mãe dentro do vagão, com uma criança
de colo, enquanto a outra ficou sozinha na plataforma.
Com muito pesar, já dou um spoiler: não sei o desfecho dessa história.
Talvez seja isso que me faz estar acordada até às cinco da manhã, depois de um dia longo de trabalho.


O que todos viram ali foi apenas (ou tudo) o que veio depois: a mãe desceu na estação seguinte, tomada por desespero e raiva, e descontou na criança menor. Bateu. Gritou. Disse palavras que uma criança nunca deveria ouvir. E certamente jamais vai esquecer.
Palavras que pesam mais do que o susto. Mais do que o tapa. Eu gritei com ela. Pedi que parasse. Em vão.
Hoje também foi um dia em que pessoas queridas dividiram comigo suas dores.
E tudo o que eu pude oferecer foram palavras. Palavras que senti não terem valor ou poder algum.
É irônico pensar como algo que me sustenta, que é meu ofício, pode parecer tão inútil quando eu mais quero que funcione. As palavras que confortam num texto, num discurso, numa campanha, não têm o mesmo efeito quando o que está em jogo é a vida real. Quando o outro não consegue ouvir, nenhuma palavra entra. E quando a dor é grande demais, nenhuma palavra basta.
Atitudes falam, sim. Mas as palavras também deixam marcas. Algumas curam. Outras nunca mais saem da memória de quem ouviu.
E é aí que mora o poder delas nesse espaço invisível entre o que é dito e o que fica.
